“RETALHOS” Contando a História

Era plena primavera, 26 de setembro, a menininha acabara de nascer, compondo então uma família de três irmãos, Tino, Bá, Lalá e ela era a Zuzu, por se chamar Zunara. Todos recebiam apelidos carinhosos. Aquele era um dia muito especial para aquela família, estávamos no ano de 1957. Mas tarde a família se completara com mais quatro irmãos: Yara, Juçara, Urubatã e Itapoã.

Ela era muito quieta, magrela, tímida e observadora. Seus olhinhos silenciosamente captavam e registravam tudo. A partir de sua lente é claro, ia dando significados aos cenários e personagens, construindo enredos e scripts, que foram lhe trazendo até aqui.

Ela trazia consigo, no mais profundo do seu coraçãozinho, uma tristeza e uma melancolia, que não sabia de onde vinha. Era como uma saudade de um lugar que ela não sabia, nem lembrava onde era. Talvez saudade do Lugar de onde veio, para viver esta experiência nesta família. No fundo sabia que ela mesma havia escolhido aquelas pessoas para estarem juntas numa mesma família, nesta jornada de evolução Cósmica.

Chorava com muita facilidade e por tudo, o que assustava muito a sua mãe. Muitas vezes o choro era tão intenso que aquele bebê, perdia-se no seu próprio fôlego e ficava inconsciente, desmaiava. A mãe muito assustada, quase em desespero, não sabia o que fazer. Buscou ajuda em Deus, amparada na sua fé, pedira a interseção do Sagrado para alcançar a cura da filha. Prometeu a Ele que todos os aniversários da menininha seriam celebrados com pobres, criaturas necessitadas do alimento material e do amparo amoroso. Assim, todos os anos, a partir do seu segundo aniversário, os seus convidados eram os velhinhos, esmolés que pediam esmolas pelos arredores.

O curioso era que em Parnaíba, aquela pequenina e linda cidade, incrustada nas lindas praias do Piauí, onde viviam, nos idos da década de 60, não havia miseráveis nas ruas abordando as pessoas, nem crianças dopadas de cola a mendigar ou assaltar, nem famílias inteiras de famintos e esfarrapados pelas calçadas. Talvez, hoje poderiam ser estes os seus convidados, já que estes são os que retratam escancaradamente os necessitados de agora.

O certo é que naquela época e naquela cidadezinha, os pedintes eram sempre os mesmos, eram pessoas pobres e idosas, mas de posse da sua dignidade humana. Eram velhinhos, pobres, extremamente carentes do material, mas limpos, dignos, tinham até onde morar. Eles eram tão presentes e constantes nas portas das famílias, que acabavam sendo conhecidos pelos seus nomes.

Conta a Mãe, D. Francisca, que bastava ela fazer o convite a um e todos já ficavam sabendo e vinham até ela para serem convidados. E assim eram todos convidados.

O grande dia chega, a comilança era grande, muita comida preparada. O leitãozinho assado inteiro era indispensável naquela mesa, o vatapá de D.Chica, a farofa, os frangos assados, o arroz enfeitado com azeitonas, a carne de bode. Era sempre mesa farta e muita alegria em receber aqueles convidados tão especiais.

Eles iam chegando e se acomodando pelos terraços, embaixo do pé de azeitonas. Alguns caminhavam de um lado pro outro, a observar os patinhos nadando no tanque em forma de estrela, junto com a meninada da casa e da aniversariante. A cada instante chegava mais um e ficavam admirados e ansiosos, quando a mesa estava sendo posta para eles.

D.Chica era muito organizada e caprichosa em seus pratos, tudo ficava muito lindo e ela muito feliz, em servir aquelas criaturinhas de Deus. Ela é um ser divino, de coração puro e alma límpida. Não é a toa que se chama Francisca, pois tem coração e alma de franciscano.

Todos se esbaldavam naquela farta mesa, depois vinham os parabéns e o bolo de aniversário para a sobremesa. Mas para a maioria deles o melhor estava para vim. No meio da tarde a menininha distribuía presentes a todos, eles recebiam roupas, cortes de tecidos, lençóis ou toalhas. Saiam felizes, muitas vezes ainda carregando um pouquinho de comida para alguém de casa.

Aquela mãe, honrosamente cumpria a sua promessa ano a ano. Sempre com cuidado e total desprendimento, recebia aquelas criaturas como quem recebe convidados muito especiais. Creio que a sua alma reconhecia a alma de cada criaturinha daquela, transvertida de pobre e faminto. Creio que a alma límpida de D.Chica reconhecia com clareza a presença de Jesus, em cada um daqueles convidados.

A menina foi crescendo já não achando tão interessante aqueles aniversários, com aqueles convidados, já que com os outros irmãos era diferente. Este fato a levou anos depois, já adulta, a trabalhar-se em suas terapias. Longos anos para a criança resignificar a sua história. A sensação de ter sido diferente e esquisita a incomodava, ela se sentia inadequada e pouco interessante. Só que ela não sabia que tudo estava divinamente correto, preparando-a para o seu caminho futuro.

Sua mãe, entendendo o sentimento daquela menininha, aos 13 anos, transferiu a sua promessa para o dia de Natal, liberando a data do seu aniversário para ser feito do seu jeito. Mas a menina passou a não gostar de comemorar seus aniversários. Ficava sem jeito para receber, ela só havia aprendido a dar, nas celebrações de seus aniversários.

Cuidar de pessoas pobres, necessitados, doentes, principalmente idosos, ficou gravado na sua pele, no seu coração e na sua alma. Neste serviço ela se sente em casa, confortável e segura.

Adulta, ela já morando em Maceió, com grande devoção a Francisco de Assis, voltou por si mesmo a comemorar seus aniversários daquela forma, só que agora em abrigos de idosos carentes e abandonados pelas famílias. Continuava sem jeito de comemorar com festas e celebrações, normais para todas as pessoas. Ela fazia um esforço tremendo e, mesmo assim, se sentia altamente inadequada, como um bichinho acuado numa terra estranha.

Já em Maceió, descobrira que o seu mestre espiritual, Francisco de Assis nascera no ano de 1182, também em 26 de setembro, dia do seu aniversário. Isso foi muito emocionante para ela, pois já tinha registrado em sua vida muitos fatos sincrônicos entre eles. Isso fez com que fortalecesse mais a sua conexão e fé na presença de Francisco a guiá-la na sua missão. Desde que tomou conhecimento das coincidências dos aniversários, passou a comemorar com muita reverência e alegria, nos abrigos que desenvolve seus trabalhos. Passou a espalhar grutinhas de Francisco, pelos lugares que são sagrados para ela. Passou a inspirar as pessoas a abrirem seus corações à beleza das mensagens e caminhos por ele deixado.

Esta é uma parte da história que hoje vai fazendo sentido e vai dando ordem a tudo que antes parecia desconectado. Esta história mostra que tudo que nos acontece tem um propósito divino e está numa divina ordem correta.

Eu Sou esta especial menina e honro esta história, honro todas as minhas festas de aniversário, honro todas as esquisitices dela, porque hoje tudo para mim faz um tremendo sentido. Tudo para mim hoje, na minha história, tem um sentido Sagrado e sou muito grata por tudo. Assim só me resta acolher com profunda gratidão este aspecto da minha história, honrar tudo que me aconteceu, tudo que está me acontecendo e tudo que virá a acontecer. Sinto o meu coração pleno de gratidão, 50 anos depois, porque consigo com clareza vislumbrar toda a linha de conexão entre os fatos .

Hoje fechando o meu ciclo do sétimo septênio, o ciclo dos 49 anos, eu me sinto em dia com a vida. Dizem que aqui acontece um novo nascimento do ser humano, tendo ele uma segunda oportunidade de fazer escolhas mais conscientes dentro da sua missão. Dizem que aqui, para algumas pessoas dar-se início a um grande período de abundante colheita, de acordo com o que tenha plantado nos ciclos anteriores. Já me sinto em abundante colheita e sou grata a Deus.

Assim, inicia-se aqui o meu ciclo para os próximos 50 giros em torno do sol, continuando a minha jornada evolutiva, me colocando sempre como serva e canal da Grande Luz, do Grande Espírito e do meu Mestre espiritual Francisco de Assis.

O aniversário dos meus 50 anos vai trazendo o retrato da minha inteireza, pois sinto ter feito a minha síntese neste aspecto. Assim, celebrarei o aniversário de Francisco diante da sua grutinha, reverenciando a divindade em mim, mas também elevarei uma taça de champanhe com as pessoas queridas que estão comigo na caminhada, dançando e celebrando com alegria a minha humanidade. Sinto-me em plena inteireza do meu ser. FELIZ-IDADE!

Escrito na madrugada de 04 de agosto de 2007.

 

Extrato do seu livro “RETALHOS – Não é preciso ser perfeito pra ser inteiro

Por Zunara Lyra

Psicoterapeuta Instituto Ser Luz

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